Nestes dias tenho estado um bocado atarefada. Novo emprego, já se sabe. Mas queria deixar-vos aqui algumas das minhas impressões da viagem a Marrocos, que se revelou uma aventura, mas de uma forma muito positiva.
Aconselho toda a gente que gosta de viajar a ir lá (entenda-se que o gostar de viajar não é ir para um resort e sentar o rabo na areia durante 15 dias), pois o país é fantástico e muito diversificado. E já que estamos aqui na ponta da Europa e as viagens são caras como o raio, pelo menos estamos perto de Marrocos e conseguem-se voos a preços acessíveis (se Alá te dá ovos, faz omeletes!)
A quem vai viajar para Marrocos algumas dicas: não tenham receio, é perfeitamente seguro. Durante os 10 dias que lá estive não vivi nenhuma situação menos tranquila. Há que estar alerta, mas tão alerta como noutro país qualquer. Ninguém me tentou roubar, enganar ou mesmo trocar por camelos (para grande tristeza do R. que já se imaginava proprietário de toda uma cáfila...enfim).
Depois há o mito da comida, que dizem ser má, deixar a malta doente, com diarreias, intoxicações e por aí adiante. Nada está mais longe da verdade. Comi de tudo e nos mais variados locais e a única coisa que ganhei foram uns quilos, pois a comida é deliciosa. Utilizando a máxima "Em Roma sê romano" fazer uma refeição em qualquer lado onde há muitos marroquinos a comer é uma boa estratégia, pois aí a comida é certamente de boa qualidade.
Em relação à limpeza temos que relativizar um bocado as coisas. Lembrem-se que se trata de um país com poucos recursos hídricos mas, de qualquer forma, não estive em nenhum local onde houvesse porcaria ou me sentisse incomodada com a falta de limpeza.
Perdendo todas estas formatações plantadas nas nossas cabeças europeias, é ir e aproveitar, pois há lá malta muito fixe e boa onda, e um país com uma cultura muito rica.
Quando planeámos a nossa viagem alugámos também um carro num rent-a-car local (que são aqueles que praticam preços mais acessíveis, pois as companhias internacionais são bastante mais caras e as garantias são as mesmas, logo não vale a pena) e assim tivemos um simpático Dacia Logan (é um primo do Renault Clio) com ar condicionado (fundamental!!!) a viajar connosco pelo país. Elaborámos uma rota dos locais onde queríamos mesmo ir e fomos um bocado audaciosos, pois em 10 dias fizemos 2000 km em estradas marroquinas, onde a condução tem as suas particularidades (mais adiante contarei).
Deixo-vos o mapa com o nosso percurso.
Voámos até Marrakech. Saimos de Marrakech com destino a Ait-Benhaddou (linha rosa), de Ait-Benhaddou até Ouarzazate (linha azul escura), de Ouarzazate até Merzouga (linha verde escura), de Merzouga para Ouarzazate - Oásis de Fint (linha laranja), de Oásis de Fint até Essaouira (linha verde clara), de Essaouira até El Jadida (linha roxa) e de El Jadida de volta a Marrakech (linha azul clara).
Assim, partimos de Lisboa ao final da tarde com destino a Marrakech, com escala em Casablanca. Ficámos no aeroporto de Casablanca cerca de 4 horas. Inicialmente seriam 3, mas Marrocos tem uma dinâmica muito própria: é tudo feito calmamente e sem pressas. Os horários são apenas uma orientação, não significa que sejam cumpridos. Felizmente que no aeroporto de Casablanca havia cafés onde se vendia cerveja e se podia fumar...
O voo de Casablanca para Marrakech demora cerca de 20 minutos, mas com tanta calma marroquina a chegada que estava prevista para a 1 e meia da manhã passou para as 3 e qualquer coisa. E foi a essa hora que saímos do aeroporto, depois de termos que procurar a minha mala de viagem, que não estava no tapete rolante, mas sim num canto ali perto. É claro que ninguém avisou de nada, mas é entrar no espírito e está tudo bem.
O aeroporto de Marrakech é uma obra de arte e de arquitectura, provavelmente um dos mais bonitos onde já estive.
Apanhámos um táxi e, depois de combinarmos o preço da corrida (que taxímetro é conversa de meninos!) lá conseguimos chegar ao hotel.
Estava um calor abrasador e ficámos realmente contentes com o aparelho de ar condicionado na parede do quarto. Só foi pena não ter comando e não funcionar, tal como a televisão, mas, tudo bem, espírito marroquino novamente.
De manhã, tomámos um pequeno almoço bastante agradável à beira da piscina e fomos descobrir Marrakech.
Marrakech é uma grande cidade, com muitos habitantes e também muitos turistas. É, sem dúvida, bonita mas, quem quer conhecer realmente o país, não deve ficar por aqui muito tempo. Há um grande sentimento de aproveitar tudo para fazer dinheiro, as pessoas das lojas e do mercado puxam-nos literalmente para irmos ver os produtos e, claro, comprar. Existe assim um espírito de pressão ao consumo. Há que sorrir, dizer merci e continuar a andar.
Marrakech tem uma grande mesquita, a Koutoubia, situada não muito longe da praça Djema el Fna, que é o coração da cidade, onde encantadores de serpentes e barraquinhas de sumo de laranja natural a 50 cêntimos se confundem. Nesta praça há também o mercado, que é enorme e onde se vende de tudo, a par de muitas esplanadas panorâmicas. Vale a pena subir a uma, beber uma água fresca ou comer qualquer coisa e contemplar a praça com todos os seus personagens.
Koutoubia
Praça Djema el Fna
Momento de pausa...:)
Transporte de ovos à boa maneira marroquina!
Saíndo de Djema el Fna, e percorrendo algumas ruas bem características, visitámos ainda o Palácio El Bahia (O Brilhante) que, apesar de vazio, é lindissimo. De arquitectura islamica, tem cerca de 150 divisões e já albergou sultões e as suas comitivas (tipo, 4 esposas, 20 concubinas, criados e guardas!).
Depois de um ataque (meu...) de excesso de calor, e de uma paragem numa esplanada com um sistema de arrefecimento por vapor de água, lá fomos buscar o nosso carro ao rent-a-car e saímos de Marrakech em direcção a Ait-Benhaddou.
Aí pudemos ter o primeiro contacto com as estradas marroquinas e os seus utilizadores. Conduzir em Marrakech, especialmente em hora de ponta é um desfio para os nervos. Há carros, autocarros, motas, bicicletas e pessoas a pé por todo o lado! Quem está dentro de uma rotunda perde a prioridade para quem entra, não se pára nas passadeiras e o resto é fé em Alá!
Com muito savoir-faire lá conseguimos sair da cidade e nas estradas ainda é mais divertido: além dos carros, autocarros, motas, bicicletas e pessoas a pé, temos ainda as carroças, os camiões e as carrinhas de caixa aberta. Parece um jogo de computador, onde o objectivo é permanecer na estrada sem chocar com nada nem ninguém e, ainda assim, manter o sorriso nos lábios!
Os traços contínuos também não se respeitam, ultrapassando quando dá, quando quase que dá, enfim, cada condutor tem o seu código da estrada pessoal e aplica-o como acha melhor. Curiosamente, nunca vimos nenhum acidente, talvez porque a única coisa que todos respeitam milimetricamente é o limite de velocidade.
Imagem recorrente nas estradas marroquinas:)))
Com todas estas peculiaridades, conduzir à noite em Marrocos é por si só uma prova de fogo. A malta lá demonstra pouco amor à existência e anda no meio da estrada a pé, de bicileta ou mota, sem luz ou outro qualquer sinal luminoso. A solução é conduzir no meio da estrada e esperar que dê tempo para travar!!! Mas está tudo bem...
TO BE CONTINUED...
Pois é, as férias realmente terminaram e como já estou a trabalhar a um ritmo alucinante, até parece que estive em Marrocos numa outra vida...
" Quando eu era pequeno, punha-me a olhar para uma imagem de Deus Nosso Senhor de pé, em cima de uma nuvem que havia no Antigo Testamento, contando às crianças e ilustrando com gravuras de Gustavo Doré, que costumava folhear. Era um senhor bastante velho, com olhos, nariz, uma grande barba, e eu achava que, como tinha boca, também devia comer. E, se comia, também devia ter intestinos. Mas ficava logo assustado porque, embora a minha família fosse quase ateia, percebia bem a blasfémia que era pensar que Deus Nosso Senhor tinha intestinos.
Sem a mínima preparação teológica, com toda a espontaneidade, a criança que eu era já compreendia, portanto, a fragilidade da tese fundamental da antropologia cristã, segundo a qual o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Das duas, uma: ou o homem foi criado à imagem de Deus e Deus tem intestinos, ou Deus não tem intestinos e o homem não se parece com ele.
Os gnósticos antigos sentiam-no tão claramente como eu, aos cinco anos. Para acabar de uma vez por todas com este maldito problema, Valentino, grão-mestre da Gnose do século II, afirmava que "Jesus comia, bebia, mas não defecava" .
A merda é um problema teológico mais difícil que o mal. Deus ofereceu a liberdade ao homem e, portanto, pode admitir-se que ele não é responsável pelos crimes da humanidade. Mas a responsabilidade pela existência da merda incumbe inteiramente àquele que criou o homem e só a ele."
A Insustentável leveza do Ser, Milan Kundera