Naquelas semanas de confusão foste a única que ficou verdadeiramente feliz por mim, como se vivesse o sonho comigo, como se fossemos uma. Senti-me grata pelo teu sentimento, pelas tuas palavras, senti que não estava só. Que havia ali alguém que me amava incondicionalmente, sem reservas. E para quem a minha decisão importava. Para quem a minha decisão era um objectivo alcançado, depois de quase tudo o que era importante ter desaparecido com a vida.
Não é justo, digo-te agora. Tens que voltar para cumprirmos o sonho juntas, porque eu e tu já nos imaginámos lá, as duas. Tens que ser forte e doce, como quando me contavas histórias fantásticas junto ao prato de sopa que eu insistia em não querer comer.
Hoje falei de ti. Dos contos que inventavas, da tua criatividade e doçura, da maneira como me levavas para um mundo imaginário, cheio de coisas boas.
Fui encontrar isto nos meus rascunhos. Escrevi-te, no meio da confusão do meu dia, quando me telefonaram a dizer que estavas no hospital, que talvez não nos encontrássemos neste Universo novamente. Escrevi-te, de forma egoísta - vejo agora que assim foi - como forma de minorar o meu sofrimento.
E não esperaste por mim. Não esperaste pelo nosso último encontro. E não nos vamos mesmo voltar a encontrar.
Vejo-te em todo o lado, estás em toda a parte. Na caixa que encontrei na arrecadação, com os copos que me ofereceste, embrulhados em papel crepe cor de rosa. Nos raminhos de alfazema, que colhias no teu jardim e que me enviavas.
Não esperaste minha querida, não esperaste.
E ao ler o que escrevi nessa altura, eu tinha esperança que recuperasses. Mas não foi assim.
Sei que estás novamente com o amor da tua vida. E um dia, quando for eu a despedir-me dos meus netos, quero ir ter convosco. Tenho muitas, muitas, muitas saudades.
(E é isto).
Tinha guardado aquelas cartas, pedaços de papel, riscados por ti, que na altura procuravas as palavras certas... na altura em que ainda acreditávamos que existiam... e que não querias que sentisse falta de verbos quentes e amorosos, conjugados nas únicas pessoas que existiam, eu e tu.
Li-as todas. São tantas! Tempos houve em que me pareceram tão poucas. Engraçado isto. Mas sim, li-as todas. E se mais fosse preciso para me esclarecer, ali está a prova que vivemos juntos e afastados tempo demais. E admiro-nos pela persistência. E pela juventude. E pela graciosidade da inocência.
Gosto mais de mim agora. Entendo-me melhor. Perdoo-me mais e dou-me mais espaço. Naqueles dias fazia este esforço apenas para ti. E tu, deves partilhar isto comigo. Também deves gostar mais do ser humano, da pessoa que és.
Não falamos faz muito. Mas dizer o quê? A conversa sobre meteorologia aliada a uma compensação social?
Agora que já não temos verbos para conjugar apenas somos dois estranhos que dividiram o passado.